Chegou a hora da virada na COP30

May, 15. Written by Marcelo Behar e publicado no Valor Econômico.

Ao fechar os trabalhos do G20 com grande sucesso, o presidente Lula disse: “Agora vamos organizar a COP30 em Belém. Será a COP da Virada". E pense em um jogo que anda precisando virar o placar. Desde a também exitosa Conferência da Terra, a primeira de todas as COPs, no Rio, em 1992, as agendas de clima, natureza e uso do solo vem avançando em ritmo lento e os problemas que elas buscam enfrentar marchando a galope. Emissões, desmatamento e erosão dos solos vêm prejudicando populações e comprometendo severamente nosso futuro comum. Decididamente chegou a hora da virada.

Para isso, é necessário armar o jogo para que as três frentes que compõem um encontro desse tamanho joguem bem alinhadas: a negociação diplomática, a agenda de ação do setor privado e a logística. Bola nas costas em uma das frentes embaralha o jogo todo. Uma tática redonda pode marcar os três gols que o mundo precisa. E o Brasil conhece o caminho: fazer o mercado de carbono funcionar, alinhar as agendas de clima e natureza, mudar o rumo do financiamento energético.

Na tática para avançar rumo ao primeiro gol, o do mercado de carbono, existem hoje três dimensões: 1) o mercado voluntário (com grandes problemas de métricas e verificação) II) o mercado regulado (estabelecido nos países da União Europeia, no Canadá e na Austrália, com críticas e ganhos nessas geografias e recém-aprovado pelo Congresso brasileiro, e lll) o mercado global (que passará a funcionar após a completa regulamentação do art. 6 do Acordo de Paris e emergência do consenso, talvez apenas em décadas). Candido Bracher, ex-presidente do Itaú e pensador das finanças e da sociedade, nos trouxe uma boa ideia nova a propositura de um mercado comum de carbono. Basicamente um mecanismo para permitir a troca de créditos e projetos àqueles que já têm seus mercados regulados. A quem não tem, imposição de barreira tarifária (chamada CBAM em inglês), Gol de placa. Para o Brasil (que receberá bilhões para apoiar projetos de base de natureza e a transformação para uma agricultura ainda mais eficiente), para a Europa, Canadá e Austrália, que poderão ter projetos de base de natureza para apoiar com custos muito menores e eficiência climática maior a descarbonização e para o mundo, pois coloca logo em marcha um mecanismo que demoraria décadas para obter consenso.

A estratégia do segundo gol começou a ser montada pela diplomacia brasileira em parceria e com forte apoio da sociedade. Durante a sua presidência do G20, o Brasil conseguiu aprovar por consenso os dez princípios da bioeconomia, Eles permitirão o avanço da proteção da natureza e o uso ampliado de biomassa. É o que o Brasil mais pode oferecer e o que o mundo mais precisa para consolidar os divorciados temas de clima e natureza. Não há como se chegar nem perto das metas de limitação do aumento da temperatura global propostas no Acordo de Paris sem avanço da biodiversidade, e essa não avança se o mundo esquentar muito rápido. Simples assim.

Para tanto, devemos cuidar de cinco posições fundamentais para marcar esse gol: 1) conservação (e a proposta do Fundo de Florestas Tropicais para Sempre, com seus US 125 bilhões ajuda a encaminhar bem isso); II) a transição da agricultura (essa é uma agenda que os próprios produtores do agronegócio muitas vezes desconhecem em detalhes, apesar do futuro dos seus ativos depender diretamente dela); III) clareza no avanço de florestas plantadas (entre grandes inovações de base natural a substituição de não renováveis como poliéster pode passar por elas também); IV) a ampliação da promoção da sociobiodiversidade (agenda positiva com comunidades tradicionais, pequenos produtores agroecológicos e populações nativas que anseiam pela estruturação dessa agenda com ganhos reais a quem protege mais de 80% da biodiversidade do mundo) e, finalmente, V) as novas estratégias de reflorestamento de florestas nativas (que possuem uma capacidade extraordinária de montar um novo campo econômico com a recuperação de áreas degradadas, preservação de espécies e resultando em grandes alavancas climáticas).

Para fechar com goleada, a presidência brasileira precisará encarar o tema do futuro da energia no mundo. A COP28 terminou com o necessário encaminhamento pelo "afastamento dos combustíveis fósseis". A que terminou agora, em Baku, nem entrou no tema, pois foi jogo jogado em histórica reserva de petróleo, onde inclusive teve início historicamente a exploração de petróleo off-shore. Temos que encarar esse tema de frente e colocar volume de subsídios, datas e caminhos para a substituição A boa notícia é que o jogo aqui será jogado na matriz energética mais limpa dos grandes países, com ampla experiência em energia hidrelétrica, biocombustíveis e enorme potencial para ser o celeiro do hidrogênio verde do mundo. Se a China se tornou o maior produtor mundial, a Índia se encaminha para se tornar o maior provedor de serviços, o Brasil tem toda a capacidade para disparar como o motor da logística limpa e contribuir para a alimentação sustentável e variada do mundo como nenhum outro país.

E a tática não é apenas desejável, ela é imperativa. Está na hora de nos afastarmos de nossa tradição de composição chocha entre o otimismo cauteloso (até que seria bom) e pessimismo moderado(é a vida, fazer o quê?) Porque somos de longe os maiores beneficiários dessa agenda: virão para cá centenas de bilhões para alavancar um novo modelo de desenvolvimento mais limpo, justo e eficiente. E somos também os maiores prejudicados caso ela não se realize. Não subestime quando grandes cientistas como o único brasileiro vencedor do prêmio Nobel, Carlos Nobre, falam em aumento de 4°C na temperatura global. Ele está falando em uma média. O que significa algo como 0,3°C no norte da Noruega e muitas vezes 10°C no interior do Brasil. Se não corrigirmos já a torta de emissões e ampliarmos rapidamente a retirada de gases de efeito estufa da atmosfera, nós vamos fritar. Literalmente.

Organizando a tática, o caminho para os gols e elevando o ânimo do time, seguimos para uma bonita goleada jogando em casa, com torcida a favor e conhecimento sólido dos muitos problemas que enfrentamos para chegar até aqui. Quando realizamos a primeira COP em 1992 vivíamos em um mundo também complexo, saindo da Guerra Fria, em processo democrático de impasse nacional e ainda sob a ameaça global do buraco na camada de ozônio.

Demorou décadas também, mas soubemos identificar cientificamente qual foi a causa do problema na atmosfera, isolamos os fatores de emissão, organizamos soluções com os países mais inovadores e alavancamos globalmente as soluções a ponto de considerarmos que em mais algumas décadas teremos não apenas parado de gerar o problema, mas restaurado o estado anterior de proteção. Foi uma linda virada. Ao nosso lado dessa vez temos uma maioria global querendo construir saídas e uma diplomacia nacional conhecedora desses mecanismos, disposta a rearticular as conexões propostas quando presidiram a COP em 1992 entre o clima, a natureza e o uso do solo para reverter o revés climático. Temos todas as condições para garantir uma virada histórica.

Marcelo Bicalho Behar é sociólogo e advogado. Foi vice-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2007-2009), vice-presidente de Sustentabilidade da Natura e atualmente é Senior advisor para a COP30 de World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) e do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBOS)



Marcelo Behar
Co Founder, Brasil Lead and Senior Advisor.

The time has come for a turnaround at COP30

As the G20 work concluded with great success, President Lula said:
"Now we are going to organize COP30 in Belém. It will be the Turning Point COP."
And think of a match that really needs to turn the score around. Since the successful Earth Summit — the very first of all COPs — held in Rio in 1992, the agendas for climate, nature, and land use have advanced at a slow pace, while the problems they aim to address have marched ahead at full gallop.
Emissions, deforestation, and soil erosion continue to harm populations and severely compromise our shared future.
The time for a real turnaround has definitively arrived.

To achieve this, the game needs to be set up so that the three fronts that make up an event of this scale play in tight alignment: diplomatic negotiations, the private sector’s action agenda, and logistics.
A slip in any one of these areas jeopardizes the whole effort.
A coordinated strategy could score the three goals the world desperately needs.
And Brazil knows the way: making the carbon market work, aligning climate and nature agendas, and shifting the course of energy financing.

In the strategy to score the first goal — the carbon market — there are currently three dimensions. The first is the voluntary market, facing significant issues with metrics and verification. The second is the regulated market, established in EU countries, Canada, and Australia — with critiques and progress in those geographies — and recently approved by the Brazilian Congress. The third is the global market, which will only truly function once Article 6 of the Paris Agreement is fully regulated and consensus emerges, possibly decades from now.

Candido Bracher, former president of Itaú and a prominent finance and society thinker, brought a strong new idea: the proposal for a common carbon market. Essentially, it would be a mechanism allowing credit and project trading among countries with regulated markets. For those without, tariff barriers (known as CBAM) would be imposed. It’s a masterstroke: benefiting Brazil (which would attract billions to support nature-based projects and the transformation toward even more efficient agriculture), benefiting Europe, Canada, and Australia (which could support nature-based projects at much lower costs with higher climate efficiency), and benefiting the world by fast-tracking a mechanism that would otherwise take decades to reach consensus.

The strategy for the second goal has already begun taking shape through Brazilian diplomacy, with strong support from society. During its G20 presidency, Brazil secured unanimous approval of the Ten Principles of the Bioeconomy. These principles will enable advances in nature conservation and the expanded use of biomass — exactly what Brazil can offer most and what the world urgently needs to bridge the gap between climate and nature agendas. We cannot achieve the Paris Agreement targets for limiting global warming without protecting biodiversity, and biodiversity cannot thrive if the planet heats up too fast. It’s that simple.

To reach this second goal, we must focus on five key areas: conservation (and the proposed Tropical Forests Forever Fund, with its US$125 billion target, is a strong move here); the agricultural transition (an agenda that even many agribusiness producers still don’t fully know, despite their assets' future depending directly on it); advancing planted forests (with major potential for innovation, such as replacing non-renewable materials like polyester); promoting socio-biodiversity (positive engagement with traditional communities, small agroecological producers, and Indigenous populations, who steward more than 80% of the world’s biodiversity); and new strategies for native forest restoration (creating a new economic field through restoring degraded areas, preserving species, and boosting major climate leverage).

Finally, to score a decisive third goal, Brazil’s presidency must tackle the future of global energy head-on. COP28 concluded by endorsing the need to phase out fossil fuels. The recently concluded COP in Baku barely touched on the topic — unsurprising, given it took place in a historical oil region, where offshore oil exploration began.

We must face this issue directly: bringing real commitments, funding volumes, timelines, and transition pathways.
The good news: Brazil will play on one of the cleanest energy matrices among large countries, with deep expertise in hydroelectricity, biofuels, and massive potential to become the world’s green hydrogen powerhouse.
If China became the world's biggest producer and India is set to become the largest service provider, Brazil has every opportunity to become the driver of clean logistics and sustainable, diverse food supply worldwide.

And the strategy isn't just desirable — it's imperative.
It’s time to move past our traditional attitude of cautious optimism ("it would be good") or moderate pessimism ("it is what it is").
We stand to gain the most if this agenda succeeds: hundreds of billions of dollars could flow into a cleaner, fairer, and more efficient development model.
And we stand to lose the most if it fails.

We must not underestimate warnings from leading scientists like Carlos Nobre — the only Brazilian Nobel Prize winner — when he speaks of a 4°C global temperature rise.
That’s an average: meaning perhaps 0.3°C in northern Norway, but 10°C increases in the Brazilian interior.
If we don’t immediately correct emission curves and rapidly scale atmospheric carbon removal, we will literally fry.

By organizing the strategy, charting the path for goals, and raising the team's spirit, we have everything in place for a beautiful home-field victory — with strong crowd support and deep understanding of the challenges ahead.

When Brazil hosted the first COP in 1992, the world was also complex: emerging from the Cold War, facing internal democratic challenges, and grappling with the global threat of the ozone layer hole.
It took decades, but we scientifically identified the causes, isolated emission factors, developed solutions with the most innovative countries, and built global momentum.
Today, we’re close not just to stopping the problem — but restoring the atmosphere’s previous protective state.
It was a beautiful comeback.

Today, we have a global majority willing to build solutions, and a national diplomacy well-versed in these mechanisms.
We have the opportunity to realign climate, nature, and land use agendas — and achieve a historic turnaround at COP30.

Marcelo Bicalho Behar is a Sociologist and lawyer. Former Deputy Minister at the Secretariat for Strategic Affairs of the Presidency of the Republic (2007–2009), former Vice President of Sustainability at Natura, and currently Senior Advisor for COP30 at the World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) and the Brazilian Business Council for Sustainable Development (CEBDS).
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